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O Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios (CREL) do Ministério da Justiça e Direitos Humanos realiza hoje em Luanda uma conferência de arbitragem sobre o tema “Desafios regionais, actuais da arbitragem internacional em África”.A mesma visa promover uma cultura de resolução de conflitos fora dos tribunais judiciais e dotar os profissionais de Direito, neste domínio, de conhecimentos técnicos para o exercício da actividade de arbitragem.
Jornal de Angola - Que lugar ocupa a arbitragem na resolução de conflitos no mundo e em Angola, em particular?
Sofia Vale - A arbitragem é um método de resolução extrajudicial de litígios, ou seja, é uma forma de resolver conflitos fora dos tribunais do Estado. As partes que se encontram desavindas a tribunais arbitrais, que são tribunais nos quais elas escolhem as pessoas que vão decidir a contenda, em função da sua competência específica, neutralidade, imparcialidade, independência e disponibilidade. A arbitragem é antiga e ocupa um lugar de primazia na resolução de conflitos de natureza comercial, que opõem normalmente empresas, um pouco por todo o mundo. Com base na minha experiência, posso afirmar que a generalidade dos contratos de maior relevância (tanto do ponto de vista estratégico como financeiro) celebrados pelas empresas angolanas contém uma cláusula arbitral. Nesta cláusula, as partes afirmam que, caso venha a surgir um litígio no âmbito desse contrato, o mesmo será resolvido por via arbitral (afastando definitivamente a possibilidade de serem os tribunais judiciais a decidir sobre ele).
Jornal de Angola - Existem quadros suficientes para fomentar a utilização da arbitragem em Angola?
Sofia Vale - Para fomentarmos a utilização da arbitragem em Angola, precisamos que todos os que intervêm em processos arbitrais estejam familiarizados, não apenas com as regras aplicáveis à arbitragem (no caso, as previstas na Lei da Arbitragem Voluntária, de 2003) mas também com a cultura específica e própria da arbitragem, que é completamente distinta da cultura do típico processo judicial. Assim, precisamos que os nossos advogados saibam que vantagens tem a arbitragem, propondo aos seus clientes a inserção de cláusulas arbitrais nos contratos que estes celebram. Necessitamos que os professores universitários e advogados que actuam como árbitros tenham consciência dos deveres deontológicos que sobre si recaem e que são em tudo semelhantes aos que se impõem aos juízes togados.
Jornal de Angola - Os juízes estaduais compreendem a arbitragem como um dos métodos extrajudiciais na resolução de conflitos?
Sofia Vale - Carecemos que os nossos juízes estaduais compreendam a natureza dos processos arbitrais e sempre, que por lei sejam chamados a apoiar o processo arbitral, o façam respeitando a independência do tribunal arbitral. E, claro, devemos formar os nossos estudantes, em particular os que estudam Direito, sobre os métodos de resolução extrajudicial de litígios, com particular enfoque na arbitragem. Neste momento, ainda são poucos os colegas que têm conhecimento técnico abalizado sobre arbitragem. Temos tido arbitragens em Angola, mas ainda em número despiciendo quando comparado com o número de arbitragens realizadas noutras paragens. O Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios (CREL) do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos tem o projecto de lançar um curso de formação de árbitros, para permitir que haja cada vez mais árbitros de qualidade a trabalhar em Angola.
Jornal de Angola - Quais são as principais dificuldades que a arbitragem encontra em Angola?
Sofia Vale - Muitos processos arbitrais que têm lugar em Angola sofrem com a demasiada aproximação das regras do processo arbitral às regras do Código de Processo Civil. E isto porque muitos dos colegas que actuam como árbitros ainda não conseguiram desentranhar o regime do Código de Processo Civil do seu ADN. Por não o fazerem, retiram valor à arbitragem, tornam-na excessivamente burocrática e pouco célere. Dou-lhe um exemplo: num determinado processo arbitral, o tribunal arbitral determinou que, durante as férias dos tribunais judiciais, também o tribunal parava de trabalhar e entrava de férias. Se uma das razões pelas quais se escolhe a arbitragem é pelo facto de esta ser célere, faz algum sentido que os árbitros descansem consoante o calendário judicial? É por isso que não me canso de dizer que é preciso desenvolver a cultura arbitral em Angola.
Jornal de Angola - Quem recorre mais à arbitragem, as empresas ou as pessoas físicas?
Sofia Vale - A arbitragem é conhecida como a justiça dos comerciantes, dos empresários. Por essa razão, são as empresas que mais recorrem à resolução de conflitos comerciais por via arbitral. Mas nada impede que as pessoas físicas, no âmbito de contratos que celebram com empresas ou com outras pessoas físicas, também recorram à arbitragem. Por exemplo, uma pessoa física celebra um contrato de seguro automóvel com uma empresa seguradora, podendo qualquer litígio entre segurado (pessoa física) e seguradora (empresa) ser dirimido através de arbitragem.
Jornal de Angola - Por que razão as pessoas físicas não recorrem à arbitragem?
Sofia Vale - Eu gostava de chamar a atenção para o facto de existir uma ideia generalizada de que a arbitragem é muito cara, pelo que só deve ser utilizada em grandes contratos, em grandes negócios. Isso não tem necessariamente de ser assim. O Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios (CREL) do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos tem a sua tabela de custos de arbitragem e de honorários de árbitros publicada em Diário da República, o que permite facilmente às pessoas (empresas e pessoas físicas) terem uma ideia clara dos custos de uma potencial arbitragem. E, diga-se, estes custos e honorários são proporcionais ao valor do litígio.
Jornal de Angola - As decisões dos tribunais arbitrais têm a mesma força das decisões dos tribunais judiciais?
Sofia Vale - Sim. Os tribunais arbitrais estão consagrados na nossa Constituição, podendo os árbitros “dizer o Direito” tal como o fazem os juízes do Estado. Quer isto dizer que uma sentença condenatória proferida por um tribunal arbitral tem a mesma força executiva que uma proferida por um tribunal judicial, sendo o seu cumprimento obrigatório para a parte que nela foi condenada. Se por acaso a parte condenada não cumprir voluntariamente a sentença arbitral, então, é necessário que se solicite aos tribunais do Estado que executem a sentença arbitral, por exemplo, mandando penhorar os bens da parte que não cumpriu. Mas, note-se, o tribunal judicial não volta a apreciar a questão sobre a qual o tribunal judicial já se pronunciou.
Jornal de Angola - Quais são as vantagens de arbitragem para a economia e para a justiça angolanas?
Sofia Vale - A arbitragem é vantajosa para a nossa economia uma vez que os contratos internacionais (celebrados entre empresas de diferentes países) têm quase sempre uma cláusula arbitral e, como a Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras entra em vigor em Angola no próximo dia 4 de Junho, a confiança das empresas estrangeiras junto do nosso país sai reforçada. No que concerne à justiça, o senhor ministro da Justiça e dos Direitos Humanos tem afirmado por diversas vezes que é necessário aliviar os tribunais judiciais angolanos de processos de contencioso de massas (cobrança de créditos ou litígios relativos a contratos de seguros, por exemplo), remetendo-os para a via arbitral. Devemos estar cientes de que os tribunais judiciais têm tido muita dificuldade em dar vazão aos processos que lhes são submetidos, razão pela qual há todo o interesse em que seja por via dos tribunais arbitrais que se consegue obter justiça em tempo útil.
Jornal de Angola - O que se espera da conferência de arbitragem que se realiza no dia 30 de Maio?
Sofia Vale - A conferência de arbitragem do dia 30 de Maio vai tratar dos “Desafios regionais, actuais da arbitragem internacional em África” e resulta de uma parceria entre a Internacional Coutrt of Arbitration (ICC), que é, seguramente, o centro de arbitragem mais prestigiado a nível internacional, a Portugal Internacional Chamber of Commerce (ICC) e o Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios (CREL) do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos da República de Angola, que é actualmente o único centro de arbitragem que temos a funcionar em Angola. O propósito desta conferência é exactamente o de divulgar a arbitragem, em especial entre os advogados, os juízes, os que já actuam como árbitros, os juristas de empresa e os estudantes de Direito em geral. A divulgação é essencial para criar nos colegas sensibilidade e empatia com este método alternativo de resolução de litígios.
Jornal de Angola - A participação na conferência é gratuita?
Sofia Vale - A participação na conferência importa a inscrição prévia e o pagamento de uma taxa de inscrição de kz 15.000. As inscrições podem ser feitas junto do CREL – Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios, localizado no Miramar.
Jornal de Angola - Onde e quando será realizada?
Sofia Vale - A conferência será realizada no Memorial Dr. António Agostinho Neto e os trabalhos ocuparão todo o dia 30 de Maio, das 9h00 às 18h00